terça-feira, dezembro 31, 2013

Deixa Ela Entrar

Em meu post sobre Drácula, escrevi que os conceitos do vampirismo foram durante muito tempo um dos assuntos mais interessantes que escritores de horror tiveram à sua disposição, até ficarem "desgastados pelo uso excessivo". De fato, parece que já faz muito tempo que não aparece alguém que consiga criar uma verdadeira atmosfera de terror utilizando os "sanguessugas". Eles continuam aparecendo (e muito) em manifestações da cultura pop em geral  livros, quadrinhos, e, é claro, cinema , mas essas produções parecem quase sempre tender para outros gêneros: Blade é ação, não terror, por mais que haja vampiros em cena; Crepúsculo é uma saga de aventura e romance em que, por acaso, o mocinho tem caninos longos e pontudos. E é quase tudo assim. Foi preciso que eu topasse com este livro de um autor pouquíssimo conhecido no nosso meio, e vindo de um país tão improvável quanto a Suécia, para recuperar a fé de que ainda é possível, sim, produzir narrativas de terror – terror genuíno e eficiente – apostando em vampiros.

John Ajvide Lindqvist começa por nos mostrar um lado da Suécia sobre o qual raramente pensamos. Por ser esse um dos países mais prósperos e desenvolvidos do mundo, nós, os não-suecos, tendemos a imaginar (sem refletir muito a respeito) que lá todos tenham vidas perfeitamente ordenadas, com objetivos claros e todos os meios à disposição para atingi-los. Um país onde as pessoas não têm problemas? Ilusão. O autor, sem pedir licença, leva-nos a participar do cotidiano dos moradores de Blackeberg, um subúrbio de Estocolmo que realmente existe – ele, Lindqvist, cresceu lá. Nessa vizinhança, temos a oportunidade de conhecer, por exemplo, o grupo formado por Morgan, Lacke, Larry, Jocke e Karlson: cinco homens de meia-idade, com pouco dinheiro e nenhuma perspectiva, que costumam se reunir num restaurante chinês, onde pouco comem, mas muito bebem. Esses personagens aparecem para dar uma ideia do panorama local, e provavelmente são inspirados em pessoas que o autor conheceu. Porém, o protagonista é Oskar, que tem 12 anos e sofre. Morando com a mãe, ele raramente vê o pai. Embora ela seja afetuosa e mostre preocupação com o filho, parece preferir fechar os olhos a certos problemas, e não ajuda o fato de que Oskar, como todo pré-adolescente, tem seu orgulho, de modo que há coisas sobre as quais prefere silenciar.

O maior espinho na carne do garoto são os valentões da escola, que tentam aliviar o tédio perseguindo-o. Nem sempre é fácil dizer por que é uma determinada criança, e não outra qualquer, que acaba escolhida como alvo desses tipos; no caso de Oskar, talvez tenha sido por ser gorducho e estar mais para introspectivo que para popular, mas, no fim, tanto faz: outras crianças são perseguidas por usarem óculos, por pertencerem a qualquer minoria étnica, religiosa ou de outra espécie, por serem muito altas, muito baixas, por alguma assimetria de feições que as afaste do padrão de aparência considerado ideal, ou por qualquer outra bobagem irrelevante na qual os "perfeitos" consigam pensar. Se por acaso não houver numa turma ninguém que se encaixe em nenhuma dessas situações, a escolha provavelmente caberá ao azar: o certo é que alguém precisa ser a vítima. Há momentos em que Oskar se odeia ainda mais do que odeia seus algozes, porque por vezes se submete à humilhação para evitar apanhar. E assim vai levando a vida aos trancos e barrancos. Para consolar-se, o garoto se entope de doces, quer comprados ou surrupiados. E lê. Muito.

Acontece então que chegam novos vizinhos ao prédio de apartamentos onde Oskar mora: um homem e uma menina. Todos imaginam que sejam pai e filha, e eles deixam que as pessoas continuem pensando assim. A menina, Eli, é estranha, mas fascina Oskar. Dona de uma extraordinária e exótica beleza, ela jamais aparece durante o dia, tem modos misteriosos, um jeito estranho de falar, que por vezes parece mais próprio de um ancião que de uma criança, e parece incapaz de entrar em qualquer recinto a menos que seja convidada em voz alta, de forma explícita: "Você pode entrar", ou algo equivalente. Oskar, apreciador de filmes e livros de terror, sabe muito bem o que isso tudo junto costuma significar, mas "vampiros não existem", não é mesmo? A amizade que se forma entre as duas crianças respeita certos limites: há coisas sobre Eli que deixam Oskar curioso, mas ela tem seus meios de fazê-lo compreender quando deve parar com as perguntas. É graças à paixão que começa a sentir por Eli – a primeira de sua vida, coisa que nunca se esquece – que o menino decide começar a enfrentar seus problemas: não quer que ela o veja como um covarde. Parte do impacto da história está na justaposição chocante de toda essa inocência infantil com os terríveis detalhes da parte da vida de Eli que Oskar não conhece.

O acompanhante de Eli não é seu pai – nem poderia. Håkan (pronuncie Hôkan) é um personagem que causa pena. Já foi professor de sueco, de modo que é um homem de considerável cultura e já soube o que é ser um membro respeitado da sociedade. Seus desvios sexuais o arruinaram: Håkan é um pedófilo – um pedófilo que sofre, dilacerado entre seus desejos inconfessáveis e o senso do certo do errado. Eli o encontrou quando ele já havia alcançado o fundo do poço, ao ponto de cair bêbado em praças, só esperando pela morte, e o reergueu, pelo menos até onde era possível, para que ele servisse a suas necessidades. A princípio, como o próprio Håkan reflete, Eli parecia perfeita para ele: tem o corpo infantil que o atrai, mas não é uma criança – na verdade é muito mais velha, experiente e sábia do que ele próprio, o que lhe daria, finalmente, a chance de satisfazer seus desejos sem sentir culpa. Isso, é claro, se Eli estivesse disposta a cultivar intimidades com Håkan, o que não parece ser o caso: ela sabe que ele a ama e a deseja, e apenas usa isso para mantê-lo dominado. Ele a ajuda a salvar as aparências (já que uma criança vivendo e circulando sozinha chamaria demasiada atenção) e "caça" para ela; no começo, não se compreende por que, já que em diversos momentos da história a menina mostra-se perfeitamente capaz de obter "comida" sozinha: a explicação aparece mais adiante. A tarefa de Håkan consiste em emboscar pessoas, sedá-las e drenar-lhes o sangue para que Eli se alimente. É claro que tal atividade não poderia passar despercebida por muito tempo, de modo que a dupla precisa mudar-se constantemente. O leitor notará que, nas partes que são narradas sob o ponto de vista de Oskar, todos os adjetivos e particípios que se referem a Eli estão no feminino – claro –, ao passo que, quando o ponto de vista é o de Håkan, estão no masculino. O que diabos isso pode significar, faz parte dos mistérios da história.

Eli possui muitas das características dos vampiros clássicos, sendo que o livro enfatiza especialmente (e já no próprio título!) a de não poder entrar sem ser convidada, mas ela também não pode sair ao ar livre durante o dia em hipótese alguma, o que a mataria na hora – e isso, até onde sei, foi inventado no filme Nosferatu (1922), de Friedrich Murnau, e popularizado por centenas de outros filmes durante as décadas seguintes, mas não faz parte das lendas originais, nem está nos escritos de Bram Stoker: conforme essas fontes essenciais, o vampiro pode, caso precise, circular durante o dia eventualmente – a luz do dia lhe é incômoda e anula temporariamente a maior parte de seus poderes, mas não o mata de forma instantânea. Outra coisa a se notar é que Eli, para uma vampira tão pequena, parece possuir um tremendo apetite: precisa alimentar-se a cada poucos dias, e, a cada vez, consumir o equivalente a todo o sangue que um indivíduo adulto ou jovem tem no corpo; além disso, a menos que a vítima seja morta no ato, transforma-se em vampiro também. Certo, são duas crenças populares a respeito dos vampiros, mas que, se fossem verdadeiras, tornariam inviável a existência dessas criaturas, e que, por isso, são hoje unanimemente desprezadas pelos especialistas. Vamos ver por quê? Vai ser interessante!

Em primeiro lugar, um vampiro que precisasse matar uma pessoa uma ou duas vezes por semana duraria muito pouco: seria rapidamente caçado e morto. A ideia corrente entre os autores atuais é a de que o vampiro pode dominar uma pessoa por meio de hipnotismo (ou atacá-la enquanto dorme) e então sugar uma pequena quantidade de sangue, suficiente para mantê-lo vivo durante alguns dias, sem causar dano sério à vítima, que provavelmente terá um pesadelo, ficará indisposta e cansada durante um dia ou dois, e depois seguirá com sua vida normal – e o vampiro, graças a sua discrição, poderá fazer o mesmo! Em segundo, se toda pessoa que fosse sugada por um vampiro se transformasse em outro, o mundo, dentro de pouco tempo, seria povoado só por vampiros. A versão mais aceita hoje é a de que, para transformar-se, um ser humano precisa, primeiro, ser sugado, e depois, por sua vez, levado a provar o sangue do vampiro, o que significa dizer que não existem transformações acidentais: quando um vampiro converte um humano, faz isso de forma consciente e premeditada. Em todo caso, é provável que Lindqvist tenha optado por seguir as noções populares apenas por serem mais adequadas a seu objetivo literário.

Publicado originalmente em 2004 (embora a ação seja ambientada em 1981), Deixa Ela Entrar já ganhou um lugar entre os grandes romances de terror dos últimos tempos e gerou duas adaptações para o cinema. A primeira é uma produção sueca de 2008, dirigida por Tomas Alfredson; eu vi e recomendo. Como ocorre com todo livro que é adaptado para a tela, a trama teve que ser bastante enxugada, reduzida ao essencial, de modo que as histórias paralelas de personagens secundários foram deixadas de fora. Não acompanhamos, por exemplo, o que ocorre com Tommy, um vizinho de Oskar alguns anos mais velho, usuário de drogas, e sua relação difícil com a mãe viúva e o novo namorado dela, que, por acaso, é um policial; já os dramas e o tédio da existência do grupo do restaurante chinês até são retratados, mas muito de passagem. As atuações dos estreantes Kåre Hedebrant (Oskar) e Lina Leandersson (Eli) surpreendem. O outro filme, intitulado Deixe-me Entrar, é um remake norte-americano, e, pelos comentários que li, bastante açucarado, tendo tido todas as partes chocantes do livro e do filme original limadas, para não falar na "americanização" forçada, que já desvirtuou tantas boas histórias. Quando li na sinopse que Oskar tinha virado "Owen", que Eli passara a ser "Abby" e que a trama estava ambientada no Novo México, desisti de assistir, e pretendo deixar a coisa assim. Meu conselho é que leiam o livro e vejam o filme de Alfredson.

sábado, novembro 09, 2013

A Invenção de Hugo Cabret

"Sabe, as máquinas nunca têm peças sobrando. Elas têm o número e o tipo exato de peças que precisam. Então, eu imagino que, se o mundo inteiro é uma grande máquina, eu devo estar aqui por algum motivo. E isso quer dizer que você, também, deve estar aqui por algum motivo."

*     *     *

Eis aqui um livro diferente e interessante, que eu talvez não chegasse a ler se não fosse por uma feliz conspiração de fatos. Perto do final de 2012, só para estar preparado para a eventualidade de que o Natal chegasse sem que o mundo tivesse acabado antes, como estavam anunciando então, perguntei a minha namorada, Cintia, o que gostaria que eu lhe desse de presente, e ela me falou de A Invenção de Hugo Cabret. Então, durante minha ida seguinte a São Paulo, comprei o livro para ela, aproveitando nossa inevitável "passadinha" pela Livraria Cultura do shopping Bourbon Pompeia (a propósito, ela costuma dizer, meio a sério, meio brincando, que não gosta desse lugar, porque sempre sai com uma sensação de frustração por não poder levar todos os livros e DVDs que gostaria). Agora peguei o livro emprestado e gostei bastante. Não conhecia o autor, Brian Selznick, responsável tanto pelo texto quanto pela (farta) ilustração, e essa foi uma apresentação bem favorável: ele realizou um belo trabalho - algo verdadeiramente muito artístico.

Estamos em Paris, em 1931. Na imensa estação ferroviária central da cidade, Hugo Cabret, um garoto de 12 anos, vive sozinho e escondido. Vindo de uma família toda de relojoeiros, ele herdou esse talento, e agora realiza sozinho a manutenção de todos os relógios da estação, que são muitos, e alguns deles gigantescos. O pai de Hugo, que tinha uma relojoaria, morreu num incêndio num museu onde prestava serviços; o menino, então, ficou sob a guarda de seu tio Claude, que fazia a manutenção dos relógios da estação e fez dele seu aprendiz. Quando o tio, dado a bebedeiras, desapareceu, Hugo passou a fazer o trabalho dele, e por uma razão muito pessoal: se os relógios pararem de funcionar, a administração da estação irá investigar, descobrirá o desaparecimento de Claude, e também descobrirá que ele, Hugo, está morando lá clandestinamente. Além de não ter qualquer vontade de ir para um orfanato, o menino tem outro motivo para não querer deixar a estação: lá, no pequeno apartamento que ficou para ele desde que o tio se foi, está escondida uma maravilha da arte e da mecânica - um autômato, um pequeno homem mecânico que o pai de Hugo descobriu no sótão do museu onde trabalhava e onde morreu. Hugo salvou a curiosa máquina das ruínas, e, durante os meses que se passaram desde então, tem tentado consertá-la. O autômato foi feito para escrever - uma atração de show de mágica -, e a ideia de ler a mensagem que ele escreveria se voltasse a funcionar tornou-se uma obsessão para o garoto.

Para consertar qualquer máquina, geralmente são necessárias peças de reposição. Hugo, então, começa a furtar brinquedos mecânicos de uma loja na própria estação, a fim de desmontá-los e usar as peças em sua obra. O proprietário, gerente e atendente da loja é um velho misterioso, que às vezes recebe visitas de uma menina que adora ler. Hugo ainda não sabe, mas já está ligado a essas pessoas antes mesmo de conhecê-las; e, quando as conhecer, seu mundo sofrerá uma revolução.

O grande volume de A Invenção de Hugo Cabret engana: é um livro para se ler numa "sentada" só. Aliás, seria mais exato dizer que é também um livro para se ver. O texto é frequentemente intercalado por longos trechos de narrativa exclusivamente visual, dando seguimento à história por meio de recursos tomados de empréstimo aos quadrinhos e ao cinema. Por isso o tamanho do livro: a maior parte dele corresponde às ilustrações, feitas pelo próprio autor, e, por sinal, belíssimas. Infelizmente, na edição brasileira, todas estão em página dupla, o que faz com que a encadernação do livro prejudique a visualização de muitas delas.

Misturando ficção com fatos e personagens históricos, Brian Selznick aproveita a história que está contando para prestar uma homenagem a Georges Méliès (1861-1938), que pode ser considerado com justiça o pai do cinema tal como conhecemos. Certo, se formos consultar uma enciclopédia, veremos que o crédito da invenção do cinema é atribuído aos irmãos Auguste (1862-1954) e Louis Lumière (1864-1948), e está correto, pois eles de fato criaram o "cinematógrafo", máquina que deu início a tudo. Só que, a julgar pelo que os cronistas da época registraram, os Lumière, a exemplo de muitos outros inventores, tinham pouca ou quase nenhuma ideia do verdadeiro potencial de sua invenção - e parece que tampouco a imaginação era o forte de qualquer dos dois. Eles filmavam trens chegando à estação, operários saindo de uma fábrica, coisas desse tipo, e esses filmes só atraíam espectadores porque, na época, o simples fato de se ver imagens em movimento já era considerado formidável e emocionante. O pioneirismo na ideia de usar o cinema para contar histórias coube mesmo a Méliès, que, até então, atuava como mágico, cartunista e pintor.

O pai de Auguste e Louis, Antoine Lumière, era um empresário do ramo da fotografia. Orgulhoso da realização dos filhos, Monsieur Lumière convidou muitas pessoas para a primeira exibição pública de cinema da História, marcada para 28 de dezembro de 1895. Um dos convidados foi seu amigo Georges Méliès, a quem ele teria dito que, se comparecesse, veria um novo tipo de mágica que talvez lhe interessasse. E não deu outra: Méliès ficou imediatamente fascinado pela engenhoca, e viu logo suas vastas possibilidades, nas quais seus próprios criadores não tinham pensado. Começou imediatamente a fazer filmes, e não parou durante os 18 anos seguintes: fez mais de 500 deles, nenhum com mais que alguns minutos de duração - estava-se ainda muito longe da era dos longas-metragens. Esses filmes eram, em sua maioria, fantasias, sem esquecer que a Méliès se atribui o mérito de ter feito o primeiro filme de terror, Le Manoir du Diable ('A Mansão do Diabo' - podem vê-lo completo aqui; como não há trilha sonora, sugiro que sincronizem com o Concerto para Piano n.º 1 de Tchaikovsky). Tudo bem, o filme não assusta ninguém, e provavelmente já não assustava nem naquela época: parece ser um terror-pastelão, mais puxado para a comédia. Ainda assim, é um marco histórico, e, junto com o restante da obra de Méliès, obriga-nos a refletir que o nosso tão querido cinema fantástico foi o gênero pioneiro da sétima arte e, mesmo assim, mais de um século depois, continua subestimado e alvo de preconceitos persistentes.

A habilidade ilusionística e o senso de cena adquiridos na carreira de mágico foram muito úteis a Méliès. Com a técnica que inventou e batizou de stop-action (que consistia simplesmente em parar a câmera, alterar o cenário e então voltar a filmar), conseguia dar a impressão de que personagens ou objetos apareciam e desapareciam de repente - como se fosse magia, por assim dizer. Criou, ainda, diversos outros truques, que o levaram a ser considerado, além de iniciador do cinema de ficção, também o inventor dos efeitos especiais. Sua carreira teve fim com o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, e os últimos 25 anos de sua vida são obscuros - fato esse do qual Brian Selznick soube aproveitar-se de forma magistral em seu livro.

A Invenção de Hugo Cabret é uma história de amizade, lealdade e amor à arte, narrada de maneira original e cativante. Recomendo para qualquer leitor, mas muito especialmente para os que também são amantes de cinema.

quarta-feira, outubro 16, 2013

Duna

Um dos mais monumentais romances de ficção científica já escritos… Querem saber? Um dos mais monumentais romances de qualquer gênero já escritos, é a definição que melhor assenta em Duna, a obra-prima de Frank Herbert. Mesmo que criar mundos (e, em alguns casos, até universos) seja uma parte normal do trabalho de escritores imaginativos, dá para contar nos dedos de uma mão os livros em que isso foi feito de forma tão completa, minuciosa, coerente e cativante quanto aqui. O livro, lançado em 1965, valeu a seu autor os prêmios Hugo e Nebula, que estão para a literatura de ficção científica mais ou menos como o Oscar e a Palma de Ouro de Cannes estão para o cinema.

Mais de oito mil anos no futuro, o universo conhecido é regido por um sistema monárquico e feudal, de forma semelhante aos reinos da Europa na Idade Média. Há o imperador Padishah Shaddam IV, e, abaixo dele, a Landsraad, que vem a ser a aristocracia interestelar  uma série de famílias poderosas que controlam certos planetas ou sistemas solares. As viagens espaciais são monopólio da Corporação Espacial, cujos navegadores, ou "timoneiros", pilotam suas gigantescas naves por meio de um processo de expansão de consciência, turbinado por uma poderosa droga, uma especiaria conhecida como melange, muitas vezes chamada apenas de "a especiaria". Graças aos poderes que a especiaria lhes confere, os timoneiros conduzem as naves sem precisarem estar a bordo, e sem que a distância pareça fazer qualquer diferença: eles "viajam sem se mover". Para isso, têm que consumir grandes quantidades de melange, o que, ao longo de séculos, causou mutações bizarras: os timoneiros praticamente nunca são vistos, mas corre à boca pequena que não parecem humanos.

Não são apenas os timoneiros da Corporação que consomem a especiaria: em pequenas doses, ela prolonga a vida, amplia a percepção, e até permite a alguns usuários (que tenham uma inclinação para isso) ter vislumbres do futuro, de modo que todos os que podem fazem uso dela. Não é para qualquer um, porém, pois seu valor é alto. A especiaria não pode ser sintetizada e só é obtida em um único planeta em todo o universo conhecido. Nos mapas estelares, esse planeta, o terceiro da estrela Canopus, aparece como Arrakis, mas seus habitantes têm para ele outro nome: Duna. Quem controla a especiaria controla o universo, e Arrakis, como a única fonte da valiosa substância, tem, portanto, um papel essencial no jogo de poder no Império.

Arrakis não tem mares, oceanos ou qualquer corpo d'água digno de nota; sua superfície é quase toda coberta por desertos, nos quais pouquíssimas formas de vida conseguem sobreviver. Apesar disso, o planeta parece ter sido colonizado em tempos muito antigos, anteriores à descoberta da especiaria ou de seus poderes. Os humanos que o habitam chamam a si mesmos de Fremen (acredito que venha de free men, 'homens livres'), e todos os aspectos de suas vidas são moldados e regulados pela necessidade imperiosa de preservar a água. São uma gente orgulhosa e feroz, regida por um código de honra inflexível, e com um certo pendor para o fanatismo; tanto por suas características quanto pelo estilo de vida que levam, lembram muito beduínos, uma impressão que é reforçada pelo fato de vários ditos e expressões atribuídas a eles virem da língua árabe. Suas crenças religiosas também têm um quê de islâmico, embora certos conceitos católicos e, creio, judaicos, também estejam presentes. Aliás, esse é um dos diferenciais da obra de Frank Herbert: enquanto muitos autores de ficção científica acreditam que no futuro a religião vá progressivamente perdendo importância, até desaparecer por completo (Arthur C. Clarke) ou reduzir-se a uma prática semiclandestina de pequenos grupos de excêntricos (Alfred Bester), para Herbert ela será sempre uma das coisas que maior poder exercem sobre os seres humanos, e, portanto, um fator importante no desenrolar da História, com H maiúsculo. Foi a religião, por exemplo, que impulsionou a Grande Revolta, ou Jihad Butleriano, quatro mil anos antes dos eventos narrados em Duna: nessa época, a humanidade havia-se tornado dependente das máquinas inteligentes que criara, o que acabou fazendo com que a grande maioria se tornasse escrava dos poucos que controlavam as máquinas. A Revolta aboliu as "máquinas pensantes" e impôs, daí em diante, severas limitações à tecnologia mecânica e eletrônica, resumidas sob a forma de um dogma: "Não farás a máquina à semelhança da mente humana". Por isso, no universo de Duna, não existem supercomputadores; em vez disso, há os Mentat, homens treinados para "supremas conquistas da lógica", – na prática, computadores humanos.

Em Arrakis, a especiaria é obtida por meio de mineração; ela está em toda parte no planeta, misturada com a areia, mas apenas em certos lugares existe uma concentração suficiente para tornar viável a extração, e as areias com especiaria parecem ser consideradas uma espécie de possessão territorial pela forma de vida dominante em Duna: os gigantescos vermes do deserto, espantosas criaturas que podem medir mais de 400 metros de comprimento e muitas dezenas de metros de diâmetro. Os vermes viajam pelo subsolo a grandes velocidades e atacam qualquer fonte de vibrações ritmadas  por isso, os Fremen aprendem desde crianças a caminhar de forma descompassada quando no deserto profundo, de modo a evitar que seus passos formem um padrão rítmico que possa atrair um verme. Não está claro do que os vermes se alimentam; sugestões soltas aqui e ali nos levam a imaginar que eles talvez façam um tipo de fotossíntese, ou coisa parecida, o que explicaria o fato de a atmosfera conter oxigênio suficiente para ser respirável, num planeta praticamente sem vegetação. Outra coisa que também é insinuada é uma possível relação entre vermes e especiaria, uma ligação mais profunda que o mero fato de eles defenderem os lugares onde ela existe em maior quantidade. Porém, se tal ligação existe, só os Fremen sabem, e esse não é um segredo que estejam dispostos a partilhar com qualquer um. Eles ensinam a seus filhos que a atitude correta a se ter para com o verme é de respeito, não de temor. O principal rito de passagem para a idade adulta entre as tribos do deserto consiste em cavalgar um verme: eles o atraem com vibrações rítmicas, escalam o vasto costado da criatura utilizando equipamento especial, e, por incrível que pareça, uma vez sobre seu dorso, conseguem conduzi-la. A arma típica dos Fremen é a faca cristalina, feita do dente de um verme; tal matéria-prima não é comum de se encontrar, já que só pode ser retirada de vermes mortos, e, além de eles viverem milhares de anos, não há quase nada capaz de matá-los  com exceção de um verme mais forte. Teoricamente, um verme também poderia morrer envenenado com água, substância que não faz parte de sua fisiologia e é tóxica para ele; porém, em Arrakis, as possibilidades de que algo assim efetivamente aconteça são remotas, para dizer o mínimo. De qualquer forma, uma única carcaça de verme encontrada fornece material para centenas de facas, e, além disso, a mesma lâmina costuma passar de geração a geração dentro de cada família (assim como o equipamento para cavalgar o verme, por falar nisso). A faca cristalina representa para o guerreiro Fremen o mesmo que a katana para o samurai: mais que uma mera arma, é um símbolo de sua identidade cultural e dos valores que ele mais preza.


É nesse universo que tem lugar a saga de Paul Atreides, o messias de Duna. Filho do duque Leto Atreides, que governa o planeta Caladan, e de Lady Jessica, uma habilidosa "feiticeira" da ordem Bene Gesserit, Paul é treinado desde a mais tenra infância para suceder o pai. Tal treinamento inclui desde as coisas óbvias, como política e administração, até habilidades indispensáveis à sobrevivência de qualquer homem nobre e importante nesses tempos: luta armada e desarmada, identificar ciladas e venenos, além de toda uma gama de habilidades mentais ensinadas por sua mãe (a irmandade Bene Gesserit, formada apenas por mulheres, é famosa por cultivar o controle da mente sobre o corpo e por desenvolver poderes naturais, latentes no ser humano, mas que a maioria nunca aprende a utilizar). Além dos próprios pais, o jovem herdeiro tem outros professores extraordinários: Gurney Halleck, o guerreiro-trovador; Thufir Hawat, mestre de assassinos, um velho Mentat que serve à casa Atreides desde os tempos do avô de Paul; Duncan Idaho, legendário espadachim; e o brilhante médico Dr. Yueh. Graças, em parte, a toda essa soberba instrução, em parte a seus talentos inatos, Paul chega aos 15 anos como um rapaz extremamente inteligente, astuto e perigoso.

É por volta dessa época que a rotina da casa Atreides sofre uma reviravolta. O duque recebe ordens do imperador para transferir-se para Arrakis, sob a alegação de que o monarca estava insatisfeito com a administração realizada pela casa nobre anteriormente encarregada do planeta  os Harkonnen, parentes e inimigos mortais dos Atreides. O oferecimento é tentador, pois colocará Leto numa posição de grande poder, mas trata-se, na verdade, de uma armadilha: o imperador está preocupado com a crescente popularidade do duque entre as grandes casas de Landsraad, receando que em breve ele reúna apoio suficiente para dar um golpe e destroná-lo. Para livrar-se desse perigo, Shaddam IV tramou um conluio com o barão Vladimir Harkonnen, líder da casa Harkonnen: depois de fingir uma retirada e esperar que Leto e sua gente tenham se instalado em Arrakis, o barão deverá enviar suas tropas, reforçadas por um grande contingente dos Sardaukar  os temíveis soldados-fanáticos do imperador  para exterminar de uma vez por todas a linhagem Atreides. Um traidor entre os Atreides, coagido pelos Harkonnen, facilitará o ataque sabotando as defesas por dentro.

O plano infame parece obter sucesso. Leto é assassinado em meio ao caos da batalha  de forma traiçoeira, sem ter a chance de tombar lutando , e quase todos os seus soldados e servos são exterminados ou escravizados; os poucos que conseguem escapar ficam espalhados pelo planeta, sem liderança alguma, para morrer no deserto ou, no máximo, viver refugiados entre os Fremen  se estes não os matarem por prudência. E é entre os Fremen que Paul e Jessica encontram abrigo.

Uma nova cultura, um novo modo de vida; há muito a aprender e muito com o que se acostumar. Coisas que seus novos companheiros veem como normais desconcertam e por vezes chocam Paul. Porém, ele não é um garoto qualquer, e isso é algo que todos rapidamente percebem. Há entre os Fremen uma velha profecia sobre o "Lisan al-Gaib" (a 'voz do mundo exterior'), um messias que viria de outro mundo para conduzi-los à "verdadeira liberdade"  uma lenda que apresenta inquietantes semelhanças com outra profecia, esta das Bene Gesserit, a respeito do "Kwisatz Haderach", nome que se traduz por 'encurtamento do caminho': este seria um Bene Gesserit masculino, um ser absolutamente único, cujos dons proféticos superariam até mesmo os das mais poderosas reverendas-madres da ordem. E Paul parece preencher um por um os pontos estabelecidos por ambas as profecias. Na sociedade Fremen, ele se torna conhecido como Paul Muad'Dib, nome tomado de uma espécie de rato-canguru, uma criatura do deserto que os Fremen admiram por ser capaz de sobreviver com pouquíssima água, além de ser envolta numa aura mística, porque uma das duas luas de Arrakis exibe em sua superfície uma mancha com a forma do animal.

Tanto a mãe quanto o filho parecem destinados a ter papéis importantes na história do povo que os acolheu. Jessica, grávida de uma menina concebida pouco antes da morte de Leto, faz a ousada experiência de beber a "água da vida" numa cerimônia Fremen. Essa é uma substância perigosíssima, e que, apesar do nome, não é água de espécie alguma, pois é obtida do verme. Ingerido por uma pessoa suficientemente forte e preparada, esse líquido pode despertar a consciência e os poderes da mente num nível em que nenhuma outra coisa o faz  mas, se quem o tenta não estiver à altura do desafio, o preço do fracasso é a morte. Jessica obtém sucesso, tornando-se uma reverenda-madre altamente respeitada. Porém, ocorre um efeito colateral: sua filha, Alia, sofre uma espécie de fusão mental, que armazena em seu pequenino cérebro todo o conhecimento e a experiência acumulados por sua mãe até aquele momento  e não só por sua mãe, mas por todas as incontáveis reverendas-madres já mortas que a precederam. Alia torna-se, ela própria, uma reverenda-madre ainda no ventre da mãe. Ao nascer, é uma poderosa bruxa em corpo de criança.

Durante os anos seguintes, à medida em que vai amadurecendo e desenvolvendo seus poderes, Paul conquista cada vez mais respeito e proeminência entre os Fremen; apesar de sua pouca idade, constrói renome por sua sagacidade, ensinando a eles muito do que aprendeu com seus antigos mestres e arquitetando engenhosos planos de ataque contra os ocupantes Harkonnen. O ódio dos Fremen contra essa casa, que durante 80 anos tentou exterminá-los como se fossem uma praga, não é menor que o do próprio Paul. Seus esforços causam enormes baixas entre as tropas do barão e transformam a mineração da especiaria num negócio muito perigoso, até que a queda na produção acaba por atrair as atenções do imperador em pessoa… O que, vejam só, era exatamente o que Paul pretendia. A partir daí, vingar a morte do pai e reconquistar seus direitos como duque será apenas o começo para ele e para sua estirpe.

Duna é um daqueles livros que exigem inúmeros adjetivos para serem descritos. O primeiro que me vem à mente é "denso". Cada página é um pedaço de uma intrincada trama que envolve não apenas os infinitos detalhes de um universo exótico e complexo, mas também a parte psicológica dos personagens  por sua vez, profundos e multifacetados. As forças e fraquezas de cada personagem, suas motivações e seus medos, são peças que influenciam o desenrolar da história, tudo de forma perfeitamente pensada  cada causa com seu efeito, cada ação com sua reação. Um tratamento tão hábil, aplicado a um enredo tão grandioso, numa ambientação tão rica e fascinante, só poderia ter o resultado que efetivamente tem: um livro único, que não se parece com nada que eu conheça, uma leitura hipnótica, com um poder de imersão que poucas vezes encontrei ao longo de mais de 30 anos de experiência como leitor. Duna apresenta a História sendo feita, por meio da complexa interação de diferentes fenômenos sociais  religião, guerra, interesses econômicos , todos eles submetidos às condições impostas pelo poder da natureza. É comovente sentir o conflito na alma dos Fremen, que sonham com seu planeta transformado num mundo verdejante, hospitaleiro à vida humana, mas, ao mesmo tempo, amam o deserto, que possui seu próprio tipo de beleza cruel, além de ser o elemento central de sua cultura e visão de mundo, e o grande responsável por fazê-los fortes, já que os submete a provas duras e diárias pela sobrevivência.


Duna foi adaptado para o cinema em 1984, com direção de David Lynch, tendo seu "muso", Kyle MacLachlan, no papel de Paul Atreides, o veterano Max Von Sydow como o planetólogo imperial e líder Fremen Liet-Kynes, e, Patrick Stewart como Gurney Halleck  uma curiosidade para os fãs de Jornada nas Estrelas e de X-Men, já que esse ator já foi conhecido como capitão Jean-Luc Picard, e, ultimamente, como Prof. Charles Xavier. O filme é considerado por muitos dos fãs de Lynch como o "patinho feio" da obra do diretor, e foi um fracasso nas bilheterias  algo totalmente compreensível, pois, com exceção dos leitores de Frank Herbert, o público que foi vê-lo era provavelmente formado por aquele tipo de espectador que assiste a qualquer coisa rotulada como "ficção científica", mas que vai esperando ver um agitado bangue-bangue com armas laser, e não um filme difícil, cheio de implicações filosóficas e de sentidos não óbvios, como este. O filme tampouco foi bem recebido pela crítica, mas, apesar de tudo, deve ter seus admiradores, a julgar pela regularidade com que tem sido relançado em DVD e blu-ray, e talvez seja relevante lembrar que o próprio Herbert gostava dele. Pessoalmente, considero-o uma experiência envolvente e agradável para um fã do livro, pois as informações adquiridas durante a leitura encarregam-se de automaticamente preencher as lacunas e dar significado às cenas, deixando o espectador livre para encher os olhos com as espetaculares imagens. Por outro lado, compreendo plenamente que, para quem não é leitor de Herbert, deve tratar-se um filme bem indigesto e difícil de acompanhar. Possuo duas versões em DVD: uma traz o filme original, só que em formato fullscreen (tela de TV); a outra é uma edição estendida, que inclui 40 minutos de cenas que haviam ficado de fora da primeira versão  o que aumenta a já considerável duração original do filme para formidáveis 176 minutos , além de um prólogo com imagens estáticas e narração, falando sobre o Jihad Butleriano e sobre as origens da ordem Bene Gesserit. Esse é widescreen (tela de cinema). Curiosamente, essa última versão credita um tal Alan Smithee como diretor ao invés de David Lynch, o que acho um fato bem estranho. Mais recentemente, em 2001, o Sci-Fi Channel exibiu uma nova adaptação do livro, sob a forma de uma minissérie em três capítulos, dirigida por John Harrison, com William Hurt como o duque Leto e o (para mim) desconhecido Alec Newman no papel de Paul. Parece que essa produção foi mais bem-sucedida, pois teve uma sequência, outra minissérie lançada em 2003, Children of Dune, que cobria o segundo e o terceiro volumes da saga, que são O Messias de Duna e Os Filhos de Duna. Essas duas minisséries eu ainda preciso ver.

Duna rendeu ainda videogames, jogos de computador, e, como costuma acontecer com as grandes sagas épicas da literatura, chamou a atenção das bandas de heavy metal, inspirando pelo menos duas canções: To Tame a Land, do Iron Maiden, que está no álbum Piece of Mind, de 1983, e Traveler in Time, dos alemães do Blind Guardian, no álbum Tales from the Twilight World, de 1990.

terça-feira, setembro 24, 2013

A Casa Infernal

Dois mil e treze ficará tristemente marcado para os fãs de literatura de imaginação como o ano do falecimento de um dos mais versáteis autores de ficção científica, fantasia e horror de todos os tempos - se é que cabe tristeza pelo fim inevitável de uma vida que foi tão longa e produtiva. Richard Matheson, norte-americano filho de noruegueses, nascido em 1926, teve uma prolífica e variada carreira que durou mais de 60 anos, sobressaindo em todos os três gêneros. Muita gente provavelmente já se empolgou e "viajou" com suas criações sem saber: Matheson foi o autor do romance Em Algum Lugar do Passado, publicado originalmente em 1975 e levado às telas com enorme sucesso cinco anos depois, com Christopher "Superman" Reeve no papel do homem que viaja no tempo para encontrar uma mulher que viveu no início do século e por quem apaixonou-se por meio de uma fotografia. Também são obra sua os roteiros de alguns dos melhores episódios da série clássica de Jornada nas Estrelas, incluindo o antológico O Inimigo Interior. Matheson foi ainda um dos principais responsáveis pela série original de Além da Imaginação, e, como se tudo isso fosse pouco, também escreveu Eu Sou a Lenda, um dos mais impressionantes romances do hoje popular subgênero pós-apocalíptico de ficção científica, filmado nada menos que três vezes, a última em 2007, com Will Smith como protagonista.

Uma boa dimensão da polivalência de Matheson é dada pelo fato de que as mocinhas sonhadoras que lotavam salas de cinema no início da década de 80 para suspirar assistindo a Em Algum Lugar do Passado provavelmente teriam um treco ante a simples ideia de ler este A Casa Infernal (1971), ou mesmo de ver o filme baseado nele (1973). Seguindo a tradição de A Queda da Casa de Usher, do imortal Edgar Allan Poe - que será para sempre um parâmetro para todas as histórias de casas assombradas -, Matheson conseguiu dar ao tema um tratamento moderno, que inclui insights científicos e psicológicos, além de uma certa dose de erotismo sinistro, resultando num romance arrepiante, que agradará em cheio aos apreciadores de boas histórias de horror.

O livro começa pouco antes do Natal de 1970. O magnata da imprensa Rolf Deutsch, já velho e com a saúde abalada, contrata o Dr. Lionel Barrett, um físico que por mais de 20 anos dedicou-se a pesquisas parapsicológicas, para tentar desvendar os mistérios da Mansão Belasco (popularmente conhecida como a "Casa Infernal"), onde outrora viveu o milionário Emeric Belasco, famoso por promover em sua casa espantosas orgias nas quais todo tipo de comportamento aberrante era não só tolerado como estimulado. Inúmeras pessoas morreram na casa durante esses horripilantes divertimentos, que só terminaram quando o próprio Belasco desapareceu. Desde então, a casa é considerada assombrada, e, no momento em que Barrett recebe a incumbência, tem estado desabitada há cerca de duas décadas. Embora Deutsch não o diga, Barrett percebe que o que o velho e rico homem deseja é uma resposta para a eterna questão da vida após a morte - questão essa que provavelmente cresceu em importância aos seus olhos, agora que ele sabe que seu próprio fim está próximo. Há um detalhe que Stephen King - por sinal, um fã de carteirinha de Matheson - consideraria auspicioso: a mansão fica no Maine, estado onde ele próprio nasceu, mora e ambienta quase todas as suas histórias.

Barrett não irá sozinho: sua esposa e eventual assistente, Edith, insiste em acompanhá-lo, e, além disso, Deutsch também contratou os médiuns Florence Tanner e Benjamin Franklin Fischer; ela, uma ex-atriz que agora é ministra de uma pequena igreja espiritualista, ele, o único sobrevivente de uma expedição anterior à Casa Infernal, trinta anos antes. O quarteto não poderia ser mais heterogêneo. Barrett é um cético empedernido, que não acredita em fantasmas ou assombrações, e, embora não descarte totalmente a possibilidade da existência de vida depois da morte, é da opinião que um verdadeiro cientista não deve apoiar-se nessa crença em sua busca por respostas. Para ele, todos os fenômenos ditos "inexplicáveis" da Casa Belasco têm uma única explicação: desordens no campo eletromagnético do local, um problema que ele está certo de poder resolver utilizando uma máquina de sua própria invenção. Edith é uma mulher insegura e instável, tão dependente emocionalmente do marido, que entra em pânico com a perspectiva de ficar longe dele, por uma hora que seja. Florence, além de atraente, é emotiva e idealista, firmemente determinada a pôr fim à maldição da casa por meio do amor, levando libertação aos espíritos atormentados ali aprisionados. Fischer, por fim, é o personagem mais enigmático. Já foi considerado um dos mais poderosos médiuns do mundo, razão pela qual foi incluído na missão anterior, apesar de, na época, não passar de um adolescente. As horríveis experiências que viveu naquela casa fizeram com que se afastasse da parapsicologia, mas, apesar disso, continua com seus poderes intactos.

Os primeiros dias na casa correm em relativa tranquilidade, embora fenômenos inquietantes não deixem de acontecer; cada membro da missão começa a agir à sua própria maneira. Enquanto Barrett colhe dados científicos e aguarda a entrega de sua máquina, Florence começa a interagir ativamente com as forças espirituais em ação na casa, acreditando, inclusive, haver feito contato com o fantasma de Daniel Belasco, o suposto filho do antigo dono da casa, cuja própria existência é duvidosa, já que não há registros de seu nascimento. A compaixão que sente pelo espírito do rapaz e pelas demais almas aprisionadas na casa pode acabar sendo sua ruína, como Fischer não deixa de adverti-la, mas sua sincera piedade religiosa leva-a a insistir, mesmo à custa da própria segurança. Quanto a Fischer, ele não esconde o fato de que tudo o que pretende é ficar na casa até o final da semana que foi o prazo dado por Deutsch e então embolsar o polpudo pagamento prometido pelo velho: mantém sua mente fechada a influências ou contatos, recusando-se a correr o risco de reviver o que passou na juventude naquele mesmo local. As descrições dos fenômenos paranormais são vívidas e perturbadoras, e uma atmosfera de paranoia permeia a narrativa à medida em que as entidades sobrenaturais presentes na casa começam a agir - ora sutis, ora brutais, mas sempre traiçoeiras. Além de tudo isso, há uma tensão permanente entre Florence e o Dr. Barrett, que entram em atrito com frequência, ela achando que ele se recusa a ver o que está diante de seus olhos para não ter que admitir que suas teorias podem precisar ser revistas, enquanto ele acredita que ela se utilize, talvez inconscientemente, de suas habilidades mediúnicas para manipular as energias da casa a fim de fornecer aparentes provas que apoiem suas convicções.


Richard Matheson era um mestre em criar atmosfera: suas descrições levam o leitor a mergulhar de fato nas sensações que o autor deseja transmitir, seja a admiração pela grandiosidade e magnificência da mansão - imensa, de arquitetura maravilhosa, e repleta de obras de arte -, seja o medo gelado que parece espreitar os heróis por detrás de cada coluna esculpida e de cada móvel antigo. Se falta algo, talvez seja um personagem realmente carismático: eu, pelo menos, não consegui me identificar muito com nenhum deles. O Dr. Barrett, durante a maior parte do tempo, é irritante com seu ceticismo, enquanto Florence torna-se piegas com seu excesso de emotividade e sua doçura enjoativa -, dois personagens estereotipados, enfim. Talvez o mais interessante seja Fischer, mas sua persistente atitude de ficar à margem dos acontecimentos impede que se pense nele como um protagonista no verdadeiro sentido do termo. Curiosamente, é com Edith - a personagem à primeira vista menos importante, e que, a rigor, nem precisaria estar ali - que o livro consegue ter o seu quantum satis de profundidade psicológica, pois a esposa de Barrett é uma pessoa complicada, cem por cento devotada ao marido, mas perturbada por traumas de infância e por uma sexualidade reprimida, o que faz dela um alvo perfeito para as forças sinistras que ocupam a Mansão Belasco. O desfecho é como teria que ser numa história assim - surpreendente -, mas seus detalhes parecem um tanto incompatíveis com o que havia sido dito antes sobre Emeric Belasco.

A Casa Infernal não é perfeito, mas é sem dúvida um ótimo livro - e "ótimo" é provavelmente o adjetivo que se pode aplicar às menos inspiradas dentre as obras de Matheson. Prende com sua narrativa e possui as doses certas de suspense e de sustos, de modo que nenhum apreciador de terror haverá de dar por perdido o tempo que dedicar à sua leitura.

domingo, agosto 11, 2013

Jogador n.º 1

Na primeira metade da década de 2040, as coisas não estão nada legais para a maior parte da humanidade. Nenhuma catástrofe apocalíptica aconteceu, mas crises econômicas mundiais, recessão, desemprego em massa e recursos naturais escasseando - além das consequências sociais previsíveis disso tudo, como o aumento da criminalidade e do número de pessoas dependendo totalmente do auxílio do governo para sobreviver - encarregam-se de fazer a vida bem difícil.

Para escapar da realidade sombria, a maioria das pessoas nessa época recorre a ilusões virtuais, que, a propósito, chegaram a um grau espantoso de aperfeiçoamento, embora a ideia continue a ser a mesma de algo que já existe nos dias de hoje, os MMORPGs (Massive Mul­tiplayer Online Roleplaying Games, algo como "Jogos Online de Interpretação de Papéis para Múltiplos Jogadores"); esses jogos têm uma história longa, que começa com os RPGs tradicionais, criados nos Estados Unidos na década de 70 e populares até hoje. Muitos de meus leitores devem conhecer RPG, mas outros podem não estar familiarizados com esse tipo de entretenimento, de modo que imagino que uma breve apresentação seja útil para os fins deste post. Vamos a isso.

RPG é a sigla de Roleplaying Game, isto é, jogo de interpretação de papéis. Ainda que muitos praticantes gostem de incrementar a diversão mediante o uso de maquetes, miniaturas e outros acessórios, nada é realmente necessário para jogá-los a não ser o livro de regras, lápis, papel, dados e imaginação. Um dos participantes, denominado mestre do jogo, tem a função de contar a história aos outros, que, por sua vez, controlam, cada um, um personagem. O mestre descreve para os jogadores os lugares que seus personagens percorrem, controla outros personagens com os quais eles venham a interagir (esses são conhecidos, no jargão do jogo, como NPCs, sigla de non-player characters, personagens não-jogadores) e verifica, de acordo com as regras e conforme os resultados dos lançamentos de dados, quais as chances de sucesso de cada ação empreendida pelo grupo. Ao final, os atos de cada um dos aventureiros terão contribuído para o êxito ou o fracasso da missão. Embora possa intimidar um pouco os iniciantes devido à complexidade dos sistemas de regras com os quais é preciso se familiarizar, depois que se pega o jeito, esse é um dos hobbies mais empolgantes já inventados. O lendário Dungeons & Dragons - o primeiro RPG a ser lançado comercialmente, em 1974 - tinha temática de fantasia medieval, inspirada na obra de Tolkien, e vários dos que o seguiram iam na mesma linha, mas, com o tempo, outras possibilidades foram sendo exploradas, de modo que hoje existem RPGs de faroeste, ficção científic­a, terror, espionagem, artes marciais, comédia, e do que mais vocês imaginarem.

Mais tarde, com o progressivo aperfeiçoamento dos computadores, a ideia migrou para dentro deles: era o RPG eletrônico, que proporcionou aos aficionados um novo tipo de experiência. Porém, havia uma desvantagem: o que se ganhava em realismo graças ao ambiente gráfico e aos efeitos sonoros, perdia-se em liberdade de ação. Enquanto nos RPGs tradicionais, ou "de mesa", os jogadores, ao verem-se diante de um perigo ou de um enigma, podiam tentar qualquer solução na qual conseguissem pensar (desde que o mestre permitisse), num RPG de computador, tudo o que o jogador podia fazer era escolher dentre um punhado de possibilidades de ação - somente aquelas previstas pelo criador do jogo. Por isso, muitos são da opinião que esses não devem ser considerados RPGs de verdade, mas apenas jogos de aventura, já que não oferecem ao jogador a oportunidade de realmente interpretar um papel.

O passo seguinte na evolução dos jogos resolveu essa limitação - e agora chegamos aos MMORPGs. Neles, o jogador pode escolher entre dedicar-se às missões que são propostas, ou simplesmente explorar o mundo do jogo - sempre um mundo grande e cheio de surpresas, onde seu avatar (personagem) pode interagir não apenas com NPCs, mas também com os personagens de outros jogadores de qualquer lugar do planeta, todos conectados via internet. Tal como já acontecia nos RPGs tradicionais, cada inimigo derrotado, cada objetivo alcançado, é recompensado com certo número de pontos de experiência; quando o avatar acumula os pontos necessários, ele sobe de nível, tornando-se mais poderoso, capaz de encarar desafios maiores. De resto, há bem pouca coisa que não seja possível fazer nesses jogos (se é que ainda dá para chamá-los de jogos!). Pode-se forjar alianças, começar guerras ou finalizá-las, servir como mercenário a quem pagar mais, caçar perigosas criaturas míticas para obter reagentes mágicos raros que possam ser vendidos a magos... As possibilidades não têm fim. E, como outra coisa que também não tem fim é a criatividade do ser humano - especialmente quando há lucro a tirar disso -, algumas pessoas já inventaram maneiras de "trabalhar" dentro de jogos, e estão até ganhando a vida assim. O jeito mais comum é criar avatares em série, jogar com eles até que atinjam um determinado nível, e então vendê-los a jogadores impacientes e endinheirados, que já querem começar com avatares de alto nível e não se importam de pagar por isso, mas li em algum lugar a história extraordinária de um sujeito que teria formado um exército, comprado máquinas de cerco, sitiado um castelo, e o tomado - e vendido. Essa última parte não aconteceu dentro do jogo: foi uma transação real, mesmo que mediada pela internet. O comprador pagou com dinheiro de verdade pelo privilégio de ser senhor de um castelo feito de pixels.

Hum... Vejo que a "breve apresentação" que pretendia fazer não ficou tão breve assim, e, além disso, o autor de qualquer manual de estilo adotado nas redações de bons jornais e revistas mundo afora iria querer me matar por já começar o texto com uma longa digressão, mas asseguro que tudo o que escrevi será importante para o leitor se situar no universo de Jogador n.º 1; em especial a parte do castelo, que ilustra o quanto a distinção entre real e virtual pode tornar-se imprecisa - e isso já nos dias de hoje, que dirá daqui a algumas décadas.

Alguns anos antes do início da história narrada no livro, foi lançado o OASIS (Ontologically Anthropocentric Sensory Imersive Simulation, ou Simulação Imersiva Sensorial Ontologicamente Antropocêntrica), que, num primeiro momento, pretendia "apenas" redefinir o conceito dos MMORPGs, mas seu principal idealizador, James Halliday - considerado o maior designer de games de todos os tempos - sabia desde o início que seria muito mais do que isso. Com o tempo, o OASIS foi crescendo; grande parte do planeta Terra e de tudo o que nele existe foi incluída na simulação, de modo que as pessoas agora podem viajar para qualquer lugar, a negócios ou turismo, sem sair de casa. O que vem a calhar, já que a crise de combustíveis e o perigo de bandidos nas estradas fizeram das viagens no mundo real uma coisa bem complicada. O fato de ter passado do status de um "simples" jogo ao de uma realidade paralela na qual uma grande parcela da humanidade gasta a maior parte do tempo que permanece acordada - estudando, trabalhando e divertindo-se - representa uma façanha formidável, mas é apenas o começo das possibilidades do OASIS. A mesmíssima simulação que grupos da terceira idade podem usar para fazer tranquilas excursões a qualquer destino turístico tradicional, também oferece o suficiente para encher os sonhos de várias encarnações de qualquer aventureiro:

A GSS também havia pré-licenciado mundos virtuais de seus competidores, por isso o conteúdo que já tinha sido criado para os jogos, como Everquest e World of Warcraft, foi repassado ao OASIS, e cópias de Norrath e Azeroth foram incluídas no catálogo crescente de planetas OASIS. Outros mundos virtuais logo copiaram isso, desde o Metaverse ao Matrix. O universo Firef­ly ficava anco­rado em um setor adjacente ao da galáxia do Star Wars, com uma detalhada recriação do universo Star Trek no setor adjacente a ele. Os usuários podiam se transportar de um lado a outro em seus mundos fictícios favoritos. Terra-média. Vulcano. Pern. Arrakis. Magrathea. Discworld, Mid-World, Riverworld, Ringworld. Mundos dentro de mundos.

Pelas barbas de Júlio Verne! Conseguem imaginar isso?... Até para o mais centrado dos usuários seria difícil ter vontade de voltar para o mundo real - particularmente se o mundo real estivesse mesmo do jeito como Ernest Cline o descreve.

A GSS (Gregarious Simulation Systems), aí mencionada, é a empresa fundada por Halliday e seu sócio e melhor amigo, Ogden Morrow. Graças, principalmente, ao OASIS, essa empresa tornou-se uma gigante no setor de softwares de entretenimento, fazendo de ambos multibilionários. Entretanto, enquanto Morrow é o mais sociável e comercial dos dois, com talento para relações públicas, Halliday é a imagem do nerd genial, mas introvertido, levada ao extremo. Quando a longa parceria chega a um fim inopinado devido a certos "desentendimentos" que nenhum dos dois explica, Morrow deixa a GSS para abrir sua própria empresa; Halliday passa a viver recluso, ocupado sabe-se lá com que criações mirabolantes e secretas.

A história de Jogador n.° 1 começa em 2041, com a morte de Halliday. Solteiro e sem parentes vivos, ele deixa um desafio gravado em vídeo, além de devidamente registrado em seu testamento - um desafio aberto a todos os usuários do OASIS: sua fortuna pertencerá ao primeiro que desvend­ar três enigmas e sair vitorioso das três provas às quais eles conduzem. As pistas que levam aos enigmas, Halliday escondeu em algum lugar do OASIS, e não é preciso dizer que "procurar agulha em palheiro" é uma expressão fraca para dar ideia da dificuldade da busca que os candidatos a seus herdeiros têm pela frente. A notícia deixa o mundo em polvorosa. Imediatamente forma-se a classe dos caça-ovos, que é como se auto-intitulam os aventureiros que assumidamente têm como principal objetivo de suas explorações no OASIS vencer o desafio de Halliday (o nome é uma alusão à tradicional brincadeira norte-americana de esconder os ovos de chocolate em algum lugar da casa na manhã de Páscoa e fazer com que as crianças os procurem). Há caça-ovos que se reúnem em clãs, enquanto outros preferem agir sozinhos. A única pista para começar a busca é o vídeo do convite/desafio, e este está repleto de citações da cultura pop dos anos 1980, década em que Halliday viveu sua adolescência, e pela qual foi apaixonado até o fim da vida. Parece óbvio que quem pretenda vencer terá de possuir um vasto conhecimento sobre todo e qualquer assunto que pudesse atrair um jovem nerd oitentista. Isso provoca uma súbita e arrasadora revivescência do interesse por tudo o que venha da época: livros de ficção científica, fantasia e terror, filmes, desenhos animados, séries de TV, músicas, quadrinhos, RPGs e, de modo especial, os videogames primitivos de então, tudo entra na mira dos caça-ovos e passa a ser objeto de estudo minucioso, pois ninguém sabe onde pode estar oculta alguma dica valiosa para os que buscam o grande prêmio. E muitos, para sua própria surpresa, acabam compartilhando sinceramente a paixão de Halliday por isso tudo.


Entre outros milhões de caça-ovos está Wade Watts, um jovem órfão e pobre de 18 anos que vive com uma tia megera numa pilha de trailers (um novo tipo de favela) em Oklahoma. Wade está terminando o ensino médio numa escola pública dentro do OASIS, e, entre o tempo das aulas e o que dedica à caça, ele raramente está offline. Quando está, costuma percorrer lixões tecnológicos em busca de velhos computadores e consoles do OASIS descartados, que conserta e vende. É dentro da simulação que a vida do rapaz realmente acontece, longe das implicâncias da tia e dos demais detalhes de seu negro cotidiano. É verdade que, mesmo lá, sua pobreza ainda o persegue: "embora acessar o OASIS seja grátis, viajar dentro dele não é", de modo que, sem créditos para comprar uma espaçonave ou pagar as taxas de teletransporte, Wade (ou melhor, Parzival, nome que deu a seu avatar por gostar da semelhança entre a busca ao "ovo" de Halliday e a Demanda do Santo Graal) permanece confinado em Ludus, o planeta-escola, sem ter como ir a algum lugar mais perigoso onde encontre inimigos para derrotar a fim de ganhar mais créditos ou pontos de experiência que levem seu personagem a subir de nível. Pior ainda: é terrivelmente frustrante para Wade saber que, mesmo que ele seja mais esperto, mais criativo e mais bem informado que muitos outros caça-ovos, suas chances reais na competição são mínimas, já que o único local onde pode procurar de fato é Ludus, e é claro que Halliday jamais teria escondido uma pista exatamente ali… Ou isso é o que todos pensam.

Justamente em Ludus, Wade encontra a primeira das três chaves que abrem os três portões que levam ao grande prêmio; ele é simplesmente a primeira pessoa a fazer qualquer progresso real nos cinco anos que já dura o concurso, e isso o coloca em evidência: há uma coisa chamada "o Placar" que permite a todos os usuários do OASIS ver quem conseguiu marcar pontos na competição. Ou seja, a partir do momento em que alguém obtém algum sucesso na busca, torna-se automaticamente uma celebridade, e Wade não tarda a descobrir que isso tem aspectos positivos e negativos: por um lado, sua notoriedade lhe rende contratos de patrocínio que lhe permitem escapar da pobreza e investir em equipamentos melhores; por outro, acaba com qualquer possibilidade de prosseguir sua busca na paz do anonimato. De agora em diante, cada movimento seu estará na mira de milhões.

Como seria previsível em se tratando de alguém que só "vive" de fato por meio da imersão virtual, o melhor amigo de Wade/Parzival é alguém que ele nunca encontrou pessoalmente e cuja identidade real não conhece, um certo Aech (pronuncie "Êitch", como o nome da letra H em inglês). Aech também é um caça-ovo, paralelamente a sua carreira de sucesso como combatente em jogos de arena televisionados - tudo dentro do OASIS, é claro. Os dois partilham a obsessão pelo concurso de Halliday e, consequentemente, pela cultura pop dos anos 1980, bem como o ódio pelos "Seis", nome pejorativo pelo qual os caça-ovos chamam os funcionários da IOI (Innovative Online Industries), uma megacorporação de tecnologia e internet que, desde o início do concurso, tem dedicado o grosso de seus esforços a vencê-lo, o que colocaria a empresa no controle da GSS, tornando-a, na prática, dona do OASIS - o pior pesadelo não só dos caça-ovos, mas de todos os usuários que prezam o caráter livre da simulação. Na opinião de Wade, a vitória da IOI transformaria o OASIS, de uma utopia virtual de acesso gratuito, dentro da qual os usuários desfrutam de liberdade, num parque temático elitista só para quem pudesse pagar. Desnecessário dizer que se trata de uma competição desleal: a IOI dispõe de recursos econômicos quase infinitos, de modo que pode empregar milhares de agentes controlando avatares de alto nível, equipados com a última palavra em armas, veículos e itens mágicos, e orientados por pesquisadores em tempo integral das "coisas de Halliday" - isto é, enquanto o caça-ovo comum precisa conciliar pesquisa e buscas, além de arriscar o pescoço (bem, o pescoço virtual de seu avatar) enfrentando todo tipo de perigo OASIS afora, os agentes da IOI podem dar-se ao luxo de dividir tarefas: os que se dedicam às buscas não precisam se preocupar com pesquisa, e, caso encontrem um enigma que não consigam resolver, basta chamar a base e pedir um especialista. Isso tudo faz com que cada caça-ovo deseje ardentemente que, se não ele, seja um competidor honrado a vencer o concurso - jamais aqueles malditos trapaceiros da IOI.

(Aliás, não tenho a menor dúvida de que essa sigla, IOI, é uma alusão à famigerada Sala 101 de 1984; parafraseando C. S. Lewis, eu poderia dizer que Ernest Cline "leu os livros que realmente importam".)


Jogador n.º 1 trata, sim, das aventuras da busca épica de Wade/Parzival no universo de possibilidades infinitas do OASIS, mas também da patética vida real do rapaz, primeiro em meio à pobreza e a um deprimente simulacro de família em companhia de sua abominável tia, o que contribui para acostumá-lo a esconder-se da realidade o máximo possível, e, mais tarde, levando essa tendência aos extremos, passando a viver sozinho e enfurnado num apartamento minúsculo, sem pôr o nariz para fora da porta durante meses a fio, sem ver um rosto ou ouvir uma voz humana, interagindo com o mundo unicamente por meio do OASIS. Durante a maior parte do tempo, ele diz que "prefere assim, muito obrigado", mas por vezes reflete, deprimido, que "acabou com sua própria vida". Não é por acaso que, sem nunca ter tido uma namorada - e, segundo ele próprio, sendo incapaz de conversar com uma garota no mundo real -, ele vive sua primeira paixão ao conhecer Art3mis (sim, com o algarismo 3 no lugar do e, mas pronuncie Ártemis mesmo), uma bela, destemida e fascinante caça-ovo… Naturalmente que o "bela" e o "fascinante" referem-se a seu avatar, pois não há como saber quem pode estar controlando-o: é impossível não rir quando Wade pondera, meio exasperado, meio achando graça de si mesmo, que, por tudo o que se sabe, a garota por quem ele está apaixonado pode muito bem ser na verdade "um sujeito gordo, de meia-idade, careca e com pelos nas costas chamado Chuck".

Ao mesmo tempo em que lida com o futuro e com tecnologias mirabolantes, o livro está repleto de nostalgia, manifestada por meio de infinitas citações da cultura pop do final do século XX - filmes, séries de TV, livros, quadrinhos, música, videogames. Reconheci muitas coisas e deixei de reconhecer muitas outras. Desde clássicos como Blade Runner ou De Volta Para o Futuro até coisas totalmente obscuras (e que satisfação a de um nerd como este que vos escreve ao reconhecer uma referência obscura, sabendo que pouca gente a identificaria!), Ernest Cline demonstra um conhecimento absurdo desse universo, o que me leva a dizer que Jogador n.º 1 é um livro que tem tudo para tornar-se, ele próprio, um clássico instantâneo no mundo nerd. Também é preciso dar o devido crédito ao tradutor e/ou ao preparador de originais, que evidentemente fizeram um esforço hercúleo para localizar todas as referências às inúmeras obras citadas, e verificar qual o título que cada uma delas recebeu no Brasil. Pode ser fácil linkar War Games com Jogos de Guerra (filme de 1983, dirigido por John Badham), mas os casos em que o título nacional é a tradução direta do original são exceções: a menos que você mesmo seja um fã (e um fã muito bem informado) do diretor John Hughes, terá que escarafunchar para descobrir que Weird Science virou Mulher Nota 1000 ao ser exibido nestas paragens. Nesse quesito, os responsáveis pela edição brasileira de Jogador n.º 1 fizeram um belo e completo trabalho, com algumas falhas perdoáveis aqui e ali. Pena que, ao lado de todo esse cuidado, surjam alguns erros tolos na tradução de palavras e expressões comuns. E, para mostrar que ninguém está livre de tropeçar, o próprio autor parece meio incerto a respeito das características físicas do avatar de Art3mis, que ora é descrito como tendo olhos azuis, ora castanhos, às vezes com cabelos curtos, outras com cabelos longos, e não é crível que Wade, que é o narrador da história, se confundisse com essas coisas: para um cara apaixonado, até o mais ínfimo detalhe a respeito de sua musa assume uma importância gigantesca. Experiência própria.

Jogador n.º 1 é um "virador de página" de primeiríssima categoria: eu, que nunca fui um leitor veloz, só precisei de uma semana para percorrer de cabo a rabo suas 462 páginas, pois, depois que você começa, só para se for realmente obrigado. E, como o autor mesmo revela em seus comentários ao fim do livro, já estão em andamento os trâmites para transformá-lo em filme, o que me deixa curioso, mas também com uma certa pena de saber, desde já, que será impossível transpor para a tela toda a riqueza do texto original. Não fiquem esperando pelo filme: leiam!!!

terça-feira, julho 30, 2013

O Filho de Netuno

Bem que eu tentei, juro que tentei: meu plano original era alternar alguma outra leitura antes de pegar o segundo volume de Os Heróis do Olimpo, mas foi impossível conter a curiosidade, de modo que acabei emendando este O Filho de Netuno assim que terminei O Herói Perdido. Em parte, isso foi porque, neste último, não se tinha qualquer notícia de Percy Jackson, a não ser o fato de que ele havia desaparecido, e porque o segundo volume, já no próprio título, prometia informações sobre o paradeiro do aluno favorito do centauro Quíron. E assim foi!

Já próximo ao final de O Herói Perdido, ocorreram algumas revelações. A mais espetacular delas foi a de que o Acampamento Meio-Sangue não era tão único quanto (quase) todos acreditavam: do outro lado do país, na Califórnia, não longe da capital San Francisco, fica o Acampamento Júpiter, também habitado por semideuses - mas semideuses romanos, e não gregos como Percy e seus companheiros. Explicar isso seria inevitavelmente um pouco complicado, mas Rick Riordan conseguiu fazê-lo muito bem, e com o mérito adicional de ampliar um pouco mais a compreensão de seus jovens leitores acerca da cultura clássica. Vou tentar resumir a ópera.

Ocorre que, como já comentado em O Ladrão de Raios, os deuses "gregos" só são chamados assim porque foi na Grécia que nasceram - a mesma Grécia onde também nasceu a civilização ocidental, sem que isso represente coincidência alguma, em absoluto. Segundo Riordan, ao longo da história, os deuses sempre habitaram na nação que, num determinado período, melhor representasse essa civilização. A primeira nação para a qual se mudaram ao deixarem a Grécia - e também a última a acreditar massivamente nos olimpianos e a lhes prestar culto público - foi justamente Roma. E, embora Roma tivesse certos deuses (em geral, menores) que eram exclusivamente romanos, os principais eram os mesmos que foram herdados dos gregos ("principais", ao menos, em termos de culto público; não vou falar aqui do culto familiar aos ancestrais, que, para a maioria dos romanos, era a religião que realmente importava: embora trate-se de assunto fascinante, essencial para a compreensão da Antiguidade, e conhecido por pouquíssima gente, faria com que eu me estendesse demais). Porém, é importante ter em mente que, ao contrário do que muitos pensam, os romanos não se limitaram a importar os deuses gregos e mudar-lhes os nomes; os deuses até podiam ser os mesmos, mas todos eles eram vistos de forma diferente - no caso de alguns, radicalmente diferente. O melhor exemplo é provavelmente Ares/Marte, o deus da guerra. Para os gregos, tudo o que Ares representava era a sanguinolência e a loucura da batalha, e por isso ele não estava entre os deuses mais benquistos ou cultuados: mesmo quando necessitavam de assessoria divina para assuntos bélicos, eles geralmente preferiam dirigir-se a Atena, que era identificada com a estratégia militar. Já para os romanos, Marte significava coragem, masculinidade e honra. Templos grandiosos foram erigidos para ele, seu culto era um dos mais populares, e os legendários fundadores da cidade, Rômulo e Remo, eram tidos e havidos por seus filhos. Este trecho de O Filho de Netuno, que reproduz um diálogo entre Percy e Marte, serve bem para ilustrar a diferença:

– Você é o deus da guerra (…). Não quer massacres sem fim?
– (…) Sou o deus de Roma, criança. Sou o deus do poderio militar utilizado em causas justas. Protejo as legiões. Fico feliz em esmagar inimigos sob meus pés, mas não luto sem motivo. Não desejo guerras sem fim. Você descobrirá isso. Você servirá a mim.

Dito tudo isso, o leitor já estará em condições de compreender a ideia de alguns semideuses serem "gregos", e outros, "romanos": tudo depende de como seu pai ou mãe divinos hajam se apresentado na ocasião em que os geraram. Não fica claro o que leva o deus ou deusa a preferir aparecer em sua "forma grega" ou "forma romana" num determinado momento; é provável que essa decisão seja motivada por impulsos subjetivos e sem razão aparente, já que os deuses mitológicos têm dessas coisas tanto quanto os seres humanos.


Acontece então que Percy "acorda" num casarão em ruínas e cercado de florestas, na companhia de uma alcateia liderada por uma deusa-loba, Lupa (nome que significa simplesmente "loba"; ela vem a ser a loba que amamentou e protegeu Rômulo e Remo quando bebês, e que, por isso, Marte recompensou com a imortalidade). O rapaz teve a memória apagada, da mesma forma como aconteceu com Jason no livro anterior - um estratagema da deusa Hera/Juno, que promoveu essa "troca de líderes", como ela própria definiu: com isso, ela pretende que os dois acampamentos, separados por um histórico de séculos de inimizade, iniciem uma nova era de cooperação. Lupa mantém Percy vivendo com a alcateia por algum tempo, enquanto lhe dá a instrução básica, e então o envia para o sul, para o Acampamento Júpiter, a fim de encontrar seus pares.

O Acampamento Júpiter é muito diferente do Meio-Sangue. Em vez de ficarem agrupados conforme sua filiação divina, os campistas seguem uma organização militar, bem à maneira romana. Segundo Rick Riordan, a Legio XII Fulminata - a Décima-Segunda Legião, "Armada de Raios" - teria sobrevivido ao colapso do Império Romano do Ocidente e fundado o acampamento, que, desde então, já teria mudado de lugar diversas vezes. A legião, atualmente, é bem menos numerosa do que nos velhos tempos: apenas algumas centenas de soldados, na maioria adolescentes, o que talvez seja compensado pelos poderes e habilidades especiais que possuem. Nem todos são filhos de deuses: muitos já são a terceira ou quarta geração - filhos ou netos de semideuses. Perto do acampamento, e, como ele, escondida do mundo exterior, fica a cidade de Nova Roma, habitada basicamente por veteranos da legião e por suas famílias. Trata-se de uma cidade de verdade, onde uma pessoa pode viver, estudar, trabalhar e criar filhos - e, de fato, muitos dos atuais legionários nasceram lá mesmo. Isso deixa Percy com um pouco de inveja, pois não existe nada parecido para o pessoal do Acampamento Meio-Sangue; aliás, parece ser mais ou menos um consenso entre os semideuses gregos que eles devem aceitar a ideia de que dificilmente viverão o bastante para construir uma família. Saber que tal lugar existe leva Percy a pensar em coisas nas quais nunca se atrevera a pensar antes: ele e Annabeth adultos, casados, com filhos.

Porém, há muita coisa para mantê-lo ocupado em um prazo muito mais curto. Gaia (a terra), a mãe dos titãs, está despertando de seu sono de eras, e isso não é nada bom. Depois que os olimpianos derrotaram os titãs pela primeira vez, milênios atrás, ela gerou uma nova leva de filhos, os gigantes, que também lutaram contra os deuses e foram derrotados. E a história está se repetindo: os deuses e os semideuses, juntos, venceram outra vez os titãs, como visto em O Último Olimpiano, e, como antes, Gaia envia os gigantes em busca de uma revanche. Um exército de monstros de todos os tipos está a caminho para arrasar Nova Roma e o Acampamento Júpiter, sendo liderado por Alcioneu, um dos primeiros gigantes a despertarem (ou renascerem?). Isso seria uma grave ameaça de qualquer forma, mas é ainda pior nesse momento, porque Tânatos, o deus da morte, lugar-tenente de Hades, está aprisionado, e, por causa disso, os monstros que os heróis matam teimam em não permanecer mortos, recompondo-se em questão de minutos. Para que a legião possa ao menos ter uma chance na batalha que se aproxima, um grupo de bravos legionários terá que descobrir o local onde Tânatos está sendo mantido preso, e encontrar um meio de libertá-lo. A missão caberá, é claro, ao mais novo recruta da Fulminata, Percy Jackson - que, embora novato na legião, não o é em aventuras perigosas -, e a dois companheiros com características e backgrounds muito curiosos, e com quem ele fez amizade instantaneamente: dois novos nomes a se juntarem à já extensa galeria de personagens memoráveis desse universo.

Frank Zhang é um canadense descendente de chineses; grande e forte, mas com cara de bebê, é muitas vezes alvo de chacota entre os companheiros por causa disso, e também por ser um desses desafortunados sujeitos que, por alguma razão que nem a ciência explica, parecem ter duas mãos esquerdas: é desajeitado e desastrado em quase tudo o que faz. A única coisa em que Frank é realmente bom é em arco e flecha, arma que os romanos mais ou menos desprezavam: embora reconhecessem sua utilidade tática no campo de batalha, consideravam-na indigna dos esforços de um cidadão romano, de modo que a deixavam para as tropas auxiliares, recrutadas entre os povos aliados ou conquistados. A mãe de Frank, que era do exército canadense, morreu em ação no Afeganistão há pouco tempo, e ele ainda não foi "reclamado", isto é, seu pai divino ainda não se revelou. Ele tem uma certa esperança de que seja Apolo, o que ao menos lhe daria uma desculpa para preferir o arco. Será?

Opinião parecida à que tinham sobre arqueiros, os romanos também dedicavam à cavalaria: era coisa para bárbaros. Um romano devia ser um legionário, combater na infantaria, com lança, espada e escudo, enfrentando o inimigo homem a homem. Entre outros, esse é mais um fator a gerar identificação entre Frank e sua melhor amiga, Hazel Levesque: ela gosta de cavalos e leva jeito com eles, mas, tal como a de Frank, sua habilidade não é muito valorizada na legião. Hazel é uma garota negra que cresceu em Nova Orleans, onde sua mãe ganhava a vida lendo sortes e vendendo amuletos, até que, de tanto fingir que mexia com as coisas do além, acabou, acidentalmente, invocando o próprio deus dos mortos, Plutão (ou Hades, caso prefiram o nome grego), que, como vocês já devem ter deduzido, viria a ser o pai de sua filha. Isso tudo não aconteceu na Nova Orleans de hoje: Hazel viveu nas décadas de 30 e 40 do século XX, e foi nessa mesma época que morreu, com apenas 13 anos e sob circunstâncias terríveis. Foi trazida de volta há meses apenas, por obra de um meio-irmão seu, que Percy, aliás, conhece bem, ainda que não se lembre no momento. O passado de Hazel esconde um segredo terrível.

Acho que tudo o que posso dizer à guisa de conclusão é que gostaria de ter comentado O Filho de Netuno logo após seu lançamento, pois assim, talvez meu texto pudesse ter servido para atiçar o apetite de alguns fãs que ainda não o tivessem lido. Infelizmente, minha capacidade de ler e comentar é limitada (hehehe!), enquanto a fila de livros aguardando a vez, além de enorme, não cessa de crescer. Em todo caso, se ainda houver algum fã de Riordan que não o tenha lido, sugiro que não perca mais tempo… Na verdade, esse é um bom conselho até para os que (ainda) não são fãs.