quinta-feira, março 21, 2013

Eu, Claudius, Imperador

Em seu clássico Declínio e Queda do Império Romano, Edward Gibbon define a lista oficial dos imperadores romanos como uma coleção completa de exemplos, tanto do mais alto grau de virtude quanto dos piores vícios de que os seres humanos são capazes (mais uma vez, estou citando de memória: sei que a frase não é exatamente assim, por isso não a pus entre aspas). E qualquer pessoa que haja estudado a história de Roma, mesmo que por simples curiosidade e sem nenhuma pretensão acadêmica, como este que vos escreve, concordará sem reservas com o célebre historiador britânico. Não deve surpreender a ninguém, portanto, que essa extensa e rica galeria do melhor e do pior do ser humano seja uma das mais interessantes fontes de assunto para um autor quando ele deseja escrever uma biografia, e não há de ser por outro motivo que várias biografias de imperadores romanos ocupam um lugar de destaque na literatura universal. De cabeça, no momento, lembro-me de César, de Max Gallo; Juliano, de Gore Vidal; e do belíssimo Memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar – sem dúvida, um dos livros mais artisticamente escritos que conheço. E, nessa seleta lista, é preciso reservar um lugar para Eu, Claudius, Imperador (I, Claudius), originalmente publicado em 1934, de autoria de Robert Graves (1895-1985), intelectual britânico polivalente: além de romancista, foi poeta, ensaísta e historiador. Sua obra mais famosa é provavelmente A Deusa Branca, um erudito mergulho na religião e no folclore dos antigos celtas.

Vi que I, Claudius ganhou há pouco tempo uma nova edição brasileira, por uma editora diferente e provavelmente numa nova tradução, mas o exemplar que possuo é da edição de 1983 da Abril Cultural, que tem um detalhe interessante a mais para nós, gaúchos: embora publicada em São Paulo, por essa editora lá sediada, essa edição saiu sob licença da nossa tradicional e querida Livraria do Globo, de Porto Alegre (que possuía sua própria editora e foi a primeira a publicar o livro no Brasil), e usa a mesma tradução, feita por ninguém menos que o nosso "poeta estadual", Mário Quintana, que por muito tempo trabalhou para a Globo como tradutor de inglês e francês. Numa nota logo nas primeiras páginas, Quintana esclarece que o estranho sistema de nomenclatura adotado apenas procura ater-se ao que o autor utilizara no original: nomes de pessoas são grafados em suas formas clássicas latinas, ou o mais próximo possível disso – Claudius em vez de Cláudio, Tiberius em vez de Tibério, e assim por diante; já com os topônimos, um tanto bizarramente, ocorre o inverso: usa-se França ao invés de Gália, Alemanha no lugar de Germânia... Pessoalmente, não gosto disso, primeiro porque tira muito do "sabor de época", prejudicando a imersão do leitor na narrativa, e, segundo, porque me parece uma excessiva simplificação das coisas: as antigas províncias do Império Romano não são sinônimos das nações modernas a que deram origem. Pode-se estabelecer uma equivalência aproximada, porém as fronteiras nunca serão exatamente as mesmas, e, quanto à identidade étnica e cultural, então, nem se fala. A Gália de dois mil anos atrás não é a mesma coisa que a França de hoje, e, a meu ver, não deveria ser chamada assim. Outros "modernismos" de linguagem que eu preferiria que não existissem são os do âmbito militar: Graves chama as legiões de "regimentos", e utiliza patentes modernas como capitão, coronel e sargento, que, é claro, não são as mesmas que eram usadas no exército romano. Mas, como devem ter notado, preferi colocar os "senões" logo no começo, porque, feitas essas ressalvas, I, Claudius é um estupendo livro.

Cláudio (10 a.C.-54 d.C.) foi o quarto imperador de Roma sem contar Júlio César, e teve a chance de observar de perto os governos de seus três antecessores, já que era sobrinho-neto de Augusto, sobrinho de Tibério e tio de Calígula. A dinastia a que todos eles pertenciam – e que foi a primeira a governar o Império Romano – passaria à História com o nome de Julioclaudiana, por ter-se originado da união de duas famílias da velha aristocracia romana: os Júlios e os Cláudios. Essa, por assim dizer, aliança, teve início quando Lívia Drusa, avó do nosso Cláudio, tendo-se separado do primeiro marido, casou-se com Augusto. Nunca encontrei muita informação sobre Lívia em livros de História, mas Graves retrata-a como extremamente maquiavélica e inescrupulosa, com enorme influência sobre Augusto – ele próprio um homem essencialmente honesto e benevolente, embora tenha, por vezes, eliminado adversários de forma arbitrária, quando acreditava que isso visava a um bem maior. Lívia, por outro lado, manipula, chantageia e manda assassinar sempre que acha que deve, sem qualquer contemplação.

Não causa surpresa, portanto, que Tibério, filho do primeiro casamento de Lívia, tenha visto, ao longo da vida, desaparecerem de forma conveniente todos os outros sucessores imaginados por Augusto, que, dessa forma, foi mais ou menos forçado a indicá-lo, apesar de, pelo menos na versão de Graves, não gostar muito do enteado. Lívia e Augusto não tiveram filhos, e ele, de seu casamento anterior, tivera apenas uma filha, Júlia. Ainda levaria séculos para o Império tornar-se uma "monarquia eletiva" (a expressão é de Gibbon), sistema que daria muito mais certo; por enquanto, Augusto precisava encontrar um sucessor em sua própria família, e, na falta de filhos homens, aventou como possíveis candidatos diversos de seus sobrinhos e netos – que, como vimos, foram morrendo um a um. Ele precisou, então, contentar-se com Tibério.

Ninguém deve censurar-se se, por acaso, se perder por completo em meio à árvore genealógica dos Julioclaudianos, que é complicadíssima: eu mesmo, que não sou propriamente um iniciante em História romana, fiquei confuso algumas vezes. Houve tantos casamentos políticos e reviravoltas na disputa pelo poder durante as décadas que antecederam o nascimento de Cláudio, que os adversários mais notórios também eram, não raro, parentes ou contraparentes; só como um exemplo ilustrativo, o próprio Cláudio, ao mesmo tempo em que era sobrinho-neto de Augusto, era também neto de Marco Antônio, o maior rival daquele (pois, quando os dois ainda eram aliados, Antônio houvera desposado Otávia, irmã de Augusto). Para completar, o casamento, que, para os romanos dos séculos anteriores, era coisa muito séria, nessa época já podia ser desfeito com uma facilidade ridícula, de modo que os membros da aristocracia e da família imperial casavam-se em média quatro ou cinco vezes ao longo da vida, com todas as complicações adicionais que isso acrescenta à tal árvore. Por fim, é preciso assinalar que, aparentemente, todos os homens dentro de um mesmo ramo familiar tinham nomes muito parecidos, de modo que era costume cada um ser comumente identificado por um "pedaço" do nome. Enquanto Tibério chamava-se Tiberius Claudius Nero Cæsar, Cláudio chamava-se Tiberius Claudius Drusus Nero Germanicus, e tinha um irmão mais velho chamado Nero Claudius Drusus Germanicus, conhecido por Germânico. O pai de ambos (filho de Lívia, irmão de Tibério) ganhara postumamente o agnomen de "Germânico", como homenagem prestada pelo senado por sua notável participação em campanhas militares contra as tribos da Germânia, e, como acontecia nesses casos, o agnomen foi incorporado formalmente ao nome, sendo, inclusive, transmitido aos descendentes. E não, Germânico não era o Nero em quem vocês estão pensando, embora ainda vão ouvir falar nele antes do fim deste post. Ufa!


Germânico, aliás, foi, desde a infância e até sua morte, o melhor amigo e o ídolo de Cláudio, e talvez tenha sido mesmo um dos melhores homens de seu tempo: valente, austero embora generoso, inflexível no cumprimento do dever, e de um patriotismo a toda prova, personificava de modo exemplar as velhas virtudes romanas. Era adorado por seus legionários e respeitado por todos os cidadãos de bem de Roma. Segundo relatos da época, era, ainda, um homem bonito e de extraordinário vigor físico. Além de ter ocupado, sempre de forma irrepreensível, diversos cargos políticos de importância, foi um general brilhante, obtendo, tal como seu pai, expressivas vitórias na Germânia, inclusive recuperando as águias de duas das três legiões que, sob o comando de Publius Quinctilius Varus, haviam sido massacradas na desastrosa batalha da Floresta de Teutoburgo, no ano 9 (para entender a importância moral que a recuperação das águias tinha para o exército romano, deem uma olhada aqui). Por ocasião da morte de Augusto, em 14, as legiões da Germânia chegaram a aclamar Germânico como imperador, e, se ele o quisesse, poderia ter marchado sobre Roma e tomado o poder – o povo o receberia de braços abertos, já que era muito mais popular que seu tio Tibério. Porém, movido por aquele senso inflexível do dever de que eu falava há pouco, ele mesmo pôs fim às pretensões de seus soldados, submetendo-se a Tibério, o sucessor legítimo. Depois de saber tudo isso sobre Germânico, não há mais como discordar do velho provérbio romano que diz que maçãs estragadas podem nascer até dos melhores ramos: Calígula (sim, aquele) era seu filho. Germânico morreu na Ásia Menor em 19, com apenas 34 anos de idade, oficialmente de doença, embora as suspeitas de envenenamento nunca tenham sido provadas falsas.

Germânico e Cláudio: ver os dois irmãos lado a lado era como ver o dia e a noite. Cláudio era tímido, manco, gago e meio surdo, e, embora tivesse uma inteligência aguçada, seus parentes – com exceção, novamente, de Germânico, que o amava e fez tudo o que pôde por ele – tinham-no na conta de atrasado mental. O que, no cômputo final, pode ter sido uma sorte: Cláudio sobreviveu à onda de assassinatos que vitimou muitos de seus parentes, primeiro sob a batuta de Lívia, depois de Tibério (afinal, para que alguém se daria ao trabalho de eliminar aquele "retardado inofensivo"?). Desde a infância interessou-se por História, e dedicou-se a ela durante décadas, tendo aprendido com alguns mestres notáveis: pelo menos dois historiadores célebres, Tito Lívio e Asínio Pollio, aparecem como personagens no romance, embora eu não tenha certeza se Cláudio de fato os conheceu pessoalmente. Não é improvável, já que eles eram figuras de destaque na sociedade, e ele, membro da família imperial.

Enquanto Cláudio escreve seus livros de História e observa os acontecimentos de sua posição pouco gloriosa, mas relativamente segura, a política em Roma envereda por caminhos que teriam enfurecido Júlio e Augusto. Tibério fora em tempos um combatente corajoso e um general capaz, que, se por seu gênio rabugento não era exatamente estimado por seus legionários, ao menos contava com o respeito e a confiança deles, já que em muitas ocasiões demonstrara saber como conduzi-los à vitória. Tampouco fez má figura nos cargos políticos e administrativos que ocupou – e, de tudo isso, só se pode concluir que inteligência e talento não lhe faltavam. Ao subir ao trono, porém, ele converteu-se na prova viva da veracidade de outro velho aforismo: aquele que diz que, para conhecer o verdadeiro caráter de um homem, basta dar-lhe poder. O mau humor que o distinguia desde a infância demonstrou ser apenas a faceta mais visível de uma personalidade lúgubre, paranoica, rancorosa e invejosa, defeitos que a idade só viria agravar. Não hesitou em usar suas prerrogativas de imperador e influência junto ao Senado para vingar-se de antigos desafetos – coisa que seu pai adotivo Augusto classificava como "confissão pública de fraqueza, mesquinhez e covardia" –, e mais tarde patrocinou uma "caça às bruxas" estimulando a delação: qualquer um que houvesse (ou fosse suspeito de haver) falado contra o imperador ou "blasfemado" contra a memória de Augusto (a quem, por esse tempo, haviam deificado) poderia ser acusado, submetido a um simulacro de julgamento e, em pouquíssimo tempo, executado, caso em que seus bens eram confiscados, cabendo ao delator a quarta parte... Como seria de se esperar nessas condições, formou-se logo uma classe de delatores profissionais, e ninguém mais podia ter a certeza de continuar vivo até a semana seguinte. Como se não bastasse, Tibério era excessivamente supersticioso, mesmo para os padrões daquela época, quando todo mundo o era em algum grau: vivia cercado de magos, astrólogos, adivinhos e charlatães de toda espécie. A pessoa que quisesse livrar-se de outra tinha apenas que subornar um dos feiticeiros de Tibério para deixar cair no ouvido do imperador que fulano conspirava contra ele: era questão de dias que a cabeça do infeliz rolasse. Talvez o aspecto mais dramático de tudo isso fossem os suicídios. Muitos homens até então respeitados – cavaleiros e senadores idosos, veneráveis, com décadas de bons serviços prestados a Roma –, ao perceberem que não havia salvação, tiraram a vida com as próprias mãos, o que, para a cultura romana, era uma saída honrosa, preferível ao aviltamento de uma execução pública. Além disso, assim resguardavam os direitos de seus herdeiros, já que os bens que seriam confiscados com a execução não podiam sê-lo em caso de suicídio. Mas, em resumo, os últimos anos de Tibério foram um tempo de terror.

A parte bizarra é que, se é que um governante pode celebrizar-se por ter sido ao mesmo tempo um tirano sanguinário e um administrador sábio, foi isso o que Tibério fez. Manteve as boas práticas iniciadas por Augusto, lidou habilmente com a economia e com os conflitos nas fronteiras do Império, e nomeou governadores capazes para as províncias. O resultado foi que, enquanto a capital vivia a situação absurda já descrita, as províncias, e mesmo a maior parte da Itália, tinham dias de prosperidade, embora isso pouco ajudasse as vítimas de Tibério, e não servisse de consolo a seus parentes. Não admira que a notícia da morte do imperador, em 37, tenha sido recebida com festa nas ruas e grandes esperanças em seu sucessor. Pobre Roma: esse sucessor foi Calígula.

"Ora", pensaram por certo os romanos, "ele é filho de Germânico. Não pode ser tão diferente dele, pode?" Podia. Seu nome, aliás, era Caius Julius Cæsar Augustus Germanicus. Por conta da carreira do pai, passou boa parte da infância em acampamentos militares, principalmente na Germânia; os soldados o adoravam e consideravam uma espécie de mascote. Certa vez, num desses acampamentos, alguém, por brincadeira, fez para ele um par de sandálias como as usadas pelos legionários, adaptadas ao tamanho de seus pés infantis, e Caio gostou tanto que, daí por diante, recusava-se a calçar qualquer outra coisa. Em latim, esse tipo de sandália chama-se caliga, no diminutivo caligula; o apelido com que o jovem imperador ficaria tristemente célebre significa, portanto, "sandalinhas".

Se Tibério era paranoico, Calígula era um doido varrido. Se sempre o foi ou se o desarranjo mental deveu-se às sequelas de uma misteriosa "febre cerebral" que o acometeu meses depois de assumir o Império, historiadores discutem até hoje; em todo caso, a primeira impressão que ele deu foi de que seria um governante benévolo. Chamou exilados de volta e limpou os nomes de muitos dos que haviam sido condenados por traição durante o governo de Tibério, devolvendo às famílias os bens confiscados. E, é claro, não deixou de oferecer os espetáculos populares de praxe. O primeiro sinal visível de que o imperador não estava batendo bem (e que, coincidência ou não, manifestou-se logo após haver convalescido da tal febre) foi perder todo o senso de medida em relação a esses eventos: passou a promover festivais que duravam semanas, depois meses, com corridas de quadrigas e combates de gladiadores todos os dias, a população obrigada a comparecer. Daí em diante, as coisas só pioraram. Calígula esbanjava dinheiro de tal maneira que o tesouro, que Tibério deixara abarrotado, ficou pela metade em questão de meses. Obrigou um governador de província a separar-se da mulher para que ele, Calígula, pudesse casar com ela. Conduziu um exército ao litoral norte da Gália e ordenou um ataque contra o mar, alegando que Netuno o teria desafiado. Tentou nomear seu cavalo cônsul. Ao oficiar um sacrifício durante uma festa religiosa, bateu com o martelo cerimonial no sacerdote em vez de no animal que estava no altar. Todo imperador, inevitavelmente, tem seus aduladores, mas, em se tratando de Calígula, até puxar-lhe o saco era perigoso, pois seu comportamento era totalmente imprevisível: num dia podia cumular um "amigo" de honrarias e ricos presentes, para no dia seguinte mandar matá-lo sem o menor motivo. Tudo isso para não mencionar as supostas relações incestuosas com todas as suas três irmãs. Hoje em dia, estudiosos recomendam dar um desconto para algumas dessas histórias; parte das insanidades atribuídas a Calígula pode ser intriga da oposição, já que a maioria das informações que temos sobre seu governo foi escrita por seus inimigos. Em todo caso, parece ser fato que havia um bocado de gente que o odiava. Acabou assassinado, no ano 41, aos 29 anos de idade, por uma Guarda Pretoriana já farta de seus desmandos. Isso deixou o "pobre tio Claudius", como Calígula o chamava, como único membro masculino adulto sobrevivente da família imperial, de modo que as forças que haviam eliminado o imperador fizeram o óbvio: puseram-no no trono para que servisse de fantoche. Mas ele não seria um fantoche – longe disso.


Durante os quatro anos que seu terrível sobrinho permanecera no poder, Cláudio, sabiamente, esforçara-se por reforçar a imagem de débil mental que já tinha diante da corte graças a sua avó Lívia, que jamais escondera de ninguém seu desprezo pelo neto. Exagerara a gagueira e portara-se como um perfeito idiota em toda situação ridícula em que Calígula propositalmente o colocava. Embora haja exercido algumas funções políticas durante o principado do sobrinho – que, provavelmente, indicava-o mais por zombaria que por algum outro motivo –, somente ao chegar ao trono ele teve oportunidade de mostrar do que realmente era capaz.

O fato é que Cláudio, de idiota, nunca teve nada. Durante os 13 anos seguintes, provou ser mais digno de vestir a púrpura imperial do que outros que nela pareceram mais majestosos, antes e depois dele. Soube mostrar-se prudente, sagaz e, quando necessário, implacável. Foi durante seu principado, por exemplo, que a Bretanha foi verdadeiramente conquistada, pois a invasão liderada por Júlio César um século antes só tivera valor publicitário, não consolidando o domínio romano sobre a ilha. Cláudio também ampliou e melhorou a malha de estradas pelo Império, assegurou alguns direitos aos não-cidadãos (isto é, escravos, libertos e estrangeiros) e permitiu que os nativos das províncias tivessem seus representantes no Senado. Tomou, ainda, medidas contra a corrupção nos órgãos do governo e para agilizar as decisões da justiça. Isso tudo fez dele um imperador querido pelo povo, que até relevava algumas excentricidades suas, como na ocasião em que baixou um édito autorizando a todos a livre, hã... flatulência em qualquer lugar e momento (incluindo banquetes oficiais e cerimônias solenes), depois que ouviu de seu médico que ficar prendendo os gases fazia mal à saúde.

Sua vida pessoal/conjugal foi mais problemática. Antes de tornar-se imperador, Cláudio já passara por dois ou três casamentos (as fontes divergem), todos arranjados, é claro, e nenhum deles feliz. Por ocasião de sua ascensão ao trono, estava casado com Valéria Messalina, a quem, pelo menos na versão de Graves, ter-se-ia unido por sugestão de Calígula, e que seria uma parenta distante de ambos. Cláudio estava apaixonado por ela, que tinha apenas 15 anos (ele já estava nos seus 50) e era belíssima; ela não partilhava o sentimento, mas deu-lhe uma filha, Cláudia Otávia, e um filho, que levou o nome de Britânico em homenagem à conquista do pai. Com o tempo, a imperatriz revelou-se uma grande libertina (ao ponto de "messalina" ter virado substantivo comum em várias línguas, com o significado de mulher devassa ou imoral), que, não contente em ser infiel ao marido, conspirava constantemente contra ele com seus vários amantes. Cláudio acabou ordenando sua execução, juntamente com o amante da vez, Caio Sílio, em 48.

Seu último casamento foi com sua sobrinha Agripina, irmã de Calígula e digna herdeira de sua bisavó Lívia: primeiro conseguiu, por meios que não sabemos, que Cláudio adotasse seu filho Lúcio Domício e o nomeasse seu herdeiro, preterindo Britânico; depois, para garantir, deu um fim no rapaz (em 55). Não poucos biógrafos de Cláudio, aliás, também atribuem a ela a morte do próprio imperador, um ano antes da do filho, embora seja verdade que ele já estava com 64 anos – idade considerável para os padrões da época – e que sua saúde jamais fora das melhores. A propósito: Lúcio Domício, ao ser adotado por Cláudio, passou a chamar-se Nero Claudius Cæsar Augustus Germanicus, e a ser chamado comumente de Nero. Sim, O Nero – eu disse que ele ainda apareceria antes do fim do post...

Na verdade, I, Claudius, apesar do título que recebeu na tradução, não chega a mostrar o protagonista como imperador: termina com o assassinato de Calígula e a coroação de Cláudio. A continuação da história está em Claudius the God and his Wife Messalina (Claudius, o Deus, e Messalina), também publicado no Brasil pela Globo. Recomendo ambos a todos os apaixonados pela Antiguidade clássica como eu, pois, de uma forma muito agradável de acompanhar, narram uma vida que vale a pena conhecer – e da qual há algumas lições a tirar.